quinta-feira, 18 de outubro de 2012

POETA - CRUZ E SOUZA


Cruz e Sousa – O Cisne Negro


Cruz e Sousa
Livre
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
- Do livro Últimos Sonetos, 1905.



"Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa."
- Cruz e Sousa

Cruz e Sousa
João da Cruz e Sousa, considerado o mestre do simbolismo brasileiro, nasceu em Desterro, hoje cidade de Florianópolis - SC, no dia 24 de novembro de 1861. Desde pequenino foi protegido pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua esposa, que o acolheram como o filho que não conseguiram ter. O referido marechal havia alforriado os pais do escritor, negros escravos. Educado na melhor escola secundária da região, teve que abandonar os estudos e ir trabalhar, face ao falecimento de seus protetores. Vítima de perseguições raciais, foi duramente discriminado, inclusive quando foi proibido de assumir o cargo de promotor público em Laguna - SC. Em 1890 transferiu-se para o Rio de Janeiro, ocasião em que entrou em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas. Vivia de suas colaborações em jornais e, mesmo já bastante conhecido após a publicação de "Missal" e "Broquéis" (1893), só conseguiu se empregar na Estrada de Ferro Central do Brasil, no cargo de praticante de arquivista. Casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, em 09 de novembro de 1893. O poeta contraiu tuberculose e mudou-se para a cidade de Sítio - MG, a procura de bom clima para se tratar. Faleceu em 19 de março de 1898, aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão. Sua obra só foi reconhecida anos depois de sua partida. Gavita, que ficou viúva, grávida, e com três filhos para criar. Após o a morte do escritor perdeu dois filhos, vitimados também pela tuberculose. Com problemas mentais, passou vários períodos em hospitais psiquiátricos, vindo a falecer. O terceiro filho, com a mesma doença, faleceu logo em seguida. O único filho que sobreviveu, que tinha o nome do pai, também faleceu vitima dessa doença aos dezessete anos de idade.

"Não lhe bastou ser poeta, foi um jornalista engajado com as lutas de seu tempo."
- Paulo Leminski.


CRONOLOGIA
Cruz e Sousa
1861 - Nasce em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, Santa Catarina, em 24 de novembro. Filho dos escravos libertos Guilherme, mestre pedreiro, e Carolina Eva da Conceição, lavadeira. É criado por Clarinda Fagundes de Sousa e seu marido, Marechal Guilherme Xavier de Sousa. Recebe o nome do santo do dia (São João da Cruz) e o sobrenome do senhor de seu pai.
1870 - Morre o Marechal Xavier de Sousa.
1871/1875 - Estuda no Ateneu Provincial Catarinense e aprende francês, inglês, latim, grego, matemática e ciências naturais.
1877 - Ministra aulas particulares, preparando professores para o magistério público. Publica poemas em jornais locais.
1881 - Com Virgílio Várzea (1862 - 1941) e Santos Lostada (1860 - 1923), funda o jornal literário Colombo, que tem seu primeiro número dedicado aos dez anos da morte de Castro Alves (1847 - 1871). Percorre o Brasil de norte a sul como ponto da Companhia Dramática Julieta dos Santos.
1882 - Em A Tribuna Popular, trabalha como redator e colaborador, com artigos da Guerrilha Catarinense, que discutem as idéias do realismo, gerando violenta polêmica e grandes embates entre literatos de Santa Catarina.
1883 - Realiza conferências abolicionistas em sua viagem por várias capitais brasileiras, entre elas Belém, Recife e Salvador, e retorna no fim do ano a Desterro.
1884 - Gama Rosa, presidente da Província de Santa Catarina e admirador do poeta, ao final de seu mandato, nomeia Cruz e Sousa promotor do município de Laguna, ato impugnado por chefes políticos locais que não aceitam um negro no cargo. Cruz e Sousa volta à Bahia, de onde envia artigos para jornais catarinenses. Em Salvador, recebe homenagens promovidas pelo jornal Gazeta da Tarde e pelos clubes abolicionistas Libertadora Baiana e Luiz Gama (1830 - 1882).
1885 - Publica Tropos e Fantasias, em colaboração com Virgílio Várzea. Assume a direção do jornal ilustrado O Moleque, título provocativo ao preconceito racial.
1866 - Viaja para o Rio Grande do Sul, onde conhece uma pianista, que aparece em vários de seus poemas da época.
1887 - Trabalha na Central de Imigração, no registro de cidadãos estrangeiros que chegam ao Brasil.
1888 - Em breve estada no Rio de Janeiro conhece o poeta Luiz Delfino (1834 - 1910) e o crítico Nestor Vítor (1868 - 1932).
1889 - No Rio de Janeiro, publica poemas no jornal Novidades. O romancista Raul Pompéia (1863 - 1895) registra em artigo seu entusiasmo com os versos do poeta. Volta a Desterro por não conseguir colocação na capital.
1890 - Transfere-se definitivamente para o Rio de Janeiro. Colabora na Revista Ilustrada, do caricaturista e artista plástico Angelo Agostini (1843 -1910) e no jornal Novidades. Consegue seu primeiro emprego fixo no jornal Folha Popular, graças ao poeta Emiliano Perneta (1866 - 1921).
1891 - Morre Carolina, sua mãe natural. Escreve manifestos do simbolismo para o jornal de Emiliano Perneta. Colabora com O Tempo.
1892 - Conhece Gavita Rosa Gonçalves. Colabora com a Cidade do Rio, do escritor e publicista José do Patrocínio (1854 - 1905).
1893 - Em fevereiro publica Missal e, em agosto, Broquéis. Casa-se em novembro com Gavita, em plena Revolta da Armada. É nomeado Praticante de Arquivista da Central do Brasil.
1895 - Recebe a visita de Alphonsus de Guimaraens (1870 - 1921), que vem de Minas Gerais especialmente para conhecê-lo.
1896 - Em março, Gavita é internada após "crises de loucura". Em agosto recebe telegrama anunciando a morte de seu pai natural, Guilherme. Sofre de tuberculose e com a ausência de Gavita, que passa seis meses num sanatório.
1897 - Deixa Evocações pronto para o prelo. Passa a morar com a mulher e filhos no bairro do Encantado, subúrbio do Rio de Janeiro.
Cruz e Sousa
1898 - Em 16 de março parte para a Estação de Sítio, município de Barbacena, Minas Gerais, que tem o clima recomendado para sua saúde já muito debilitada. Morre no dia 19, recém-chegado ao local. Não conhece seu quarto filho, João, que nasce em agosto. Seu corpo chega no dia seguinte ao Rio de Janeiro para os funerais comandados por José do Patrocínio e Nestor Vítor. É lançado postumamente o livro Evocações, edição promovida pelo poeta Saturnino de Meireles (1878-1906).
1899 - Morre Raul, filho do poeta.
1900 - Nestor Vítor organiza e publica Faróis. Morre Guilherme, outro filho do poeta.
1901 - Morre a viúva, Gavita, e mais um dos filhos do poeta, Reinaldo. Sobrevive apenas seu filho póstumo, João.
1905 - Em Paris, Nestor Vítor publica Últimos Sonetos.
1915 - João da Cruz e Sousa, último filho do poeta, morre de tuberculose, tal como seu pai, sua mãe e seus irmãos.
Casa onde Nasceu Cruz e Sousa, Desterro.
Ironia de lágrimas
Junto da morte que floresce a Vida!
Andamos rindo junto à sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
do nosso corpo, Fausto sem ventura...
ela anda em torno a toda a criatura
numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
e a marteladas lúgubres e tredas
das Ilusões o eterno esquife prega.
- Do livro "Últimos sonetos", 1905.
Ilustração de Hugo Mund Jr. para o
Soneto "Cabelo" de Cruz e Sousa.

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